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cheiros

{escrito em julho de 2015} bangkok tem um cheiro muito peculiar, que toda vez me intriga e me faz querer tentar descrever. não é um cheiro que se sente toda hora, e nem em todo lugar. mas todas as vezes que o cheiro vem, é inconfundível: cheiro de bangkok. é um cheiro acre, e olha que eu acho que nunca tinha usado essa palavra antes, a não ser pra falar do estado. mas é a única que me vem à cabeça quando penso nesse cheiro. é forte, é perfurante. não é um cheiro bom, já que lembra esgoto e comida estragada, mas por incrível que pareça também não é um cheiro ruim. parece impossível, mas apesar da combinação incômoda e nada perfumada, não chega a ser um fedor óbvio. talvez seja porque ele chega sem aviso, e logo passa. vem como um sopro, quase, só que intenso. às vezes acho que ele vem pra me lembrar que estou aqui, pra não me deixar enganar pelos shoppings e pelos ares cosmopolitas: eu não estou em qualquer grande cidade do mundo. eu estou em bangkok.
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Parto da Elisa

41 semanas completas. Tinham sido 3 dias de contrações que iam e vinham, acupuntura, chás, caminhadas, tampão mucoso saindo... e nada de bebê. Encasquetei que eu precisava comprar uma cesta pequena de vime pra guardar qualquer coisa, virou imprescindível. Fomos então atrás, e tudo que eu pegava na loja gerava um questionamento do marcel. Enquanto isso, na escola, toda uma vida acontecendo, e ao invés de ter ido eu tava ali sendo temperada na ansiedade sem fim. Desisti de todas as compras e chorando falei que só queria ir pra casa. Minha vontade era de entrar numa toca, ficar quieta. Mas tinha que fazer ecografia e cardiotoco, então fomos pra maternidade. “acho que a bebê tava dormindo, vamos precisar repetir o exame porque ela não mexeu”. Tomei glicose na veia, já em frangalhos, e fiz o exame chorando. Será que estava tudo bem? Dessa vez ela mexeu, a ecografia tava ótima e mesmo assim o médico plantonista falou que 41 semanas era pra já nascer, que mesmo o bebê bem começava a ficar arr

domingo

Pequena crônica de uma manhã de domingo “Mãe, vamo andar de bici?” Vamos, claro, deixa só eu dar um mamá pra elisa que ela tá chorando. Opa, fez cocô, vou trocar. Ixi, vazou de novo, será que a fralda tá pequena? Será que não to colocando direito? Troca, limpa, pega outra roupa, eita nariz tá sujo, limpa também, ai esse olho não para de remelar, faz nota mental para marcar a pediatra desse mês e outra nota mental para lembrar de perguntar do olho. Tudo limpo, só colocar no sling agora, filha. Abre o tecido, vai colocando, “olha mãe, você é um camelo, vou te levar pra passear”, enquanto puxa o tecido. Pera, filha, solta aí, vou colocar elisa. Decifra o tanto de pano, olha pra baixo: tudo torto. A Nathália de antigamente, deusa dos slings, rainha das amarrações, poderosa do colinho, me julga fortemente. Tira bebê, desamarra pano, começa tudo de novo. “Mãe, esse pano é lindo, parece um vestido”, enquanto se enrola no que sobra de pano. Filha, preciso colocar pra gente ir andar de bic

coragem

a coragem está justamente em pular sem garantia nenhuma. é mergulhar no desconhecido sem saber o que vem depois, o que espera na curva, confiando apenas naquilo que impele, que move, que faz pulsar. a coragem é feita de trama fina, mas resistente. passa às vezes despercebida pelos olhares mais desatentos. não se reveste de certezas nem redes de proteção, mas se forja no vento que bate na pele quando do pulo, no coração que bate ligeiro, no frescor simples de acreditar. não é de matéria frágil que a coragem é feita, e nem da insensatez. ela é construída em força, desejo e um ímpeto incontido de pegar a vida pelas mãos.

quarta-feira

é uma quarta-feira comum, como tantas outras e tantos dias. na hora da saída um menino de sete anos sai correndo para encontrar o pai e contar, orgulhoso, que fez um caça-palavras e achou a palavra folha. uma criança - e duas, e dez - pedem só mais cinco minutos pra brincar, e os pais suspiram, resignados que os cinco minutos vão bem virar uns quinze. uma bebê dorme no colo da mãe, depois de uma manhã cheia de frutas no pé, brincadeiras, aprendizados. algumas crianças correm pro almoço, uma pequena corre pra me dar um “abraço de urso daqueles nossos apertados”, um menino de três anos toca o sino do portão e ri. mães e pais trocam sorrisos e cumprimentos, procuram chinelos, carregam mochilas, perguntam do dia. eu fico ali no portão, olhando isso tudo com o coração cheio. é uma quarta como outra qualquer, mas que sorte incrível ver essa felicidade toda se desdobrando bem na minha frente.

porteira

eu adoro minha função “porteira” na escola; adoro dar bom dia, boa tarde, oi e tchau pra todo mundo, adoro cumprimentar as pessoas, adoro ver as crianças chegando com as carinhas de sono, pressa e animação e indo embora cheias de terra e histórias. adoro ver o quintal ganhando vida, observar as professoras recebendo cada um com um sorriso tão grande e tão sincero, ver os amigos se abraçando felizes. e adoro olhar os detalhes: as flores, os vidrinhos coloridos refletindo o sol, os calangos passeando, as frutas crescendo. e às vezes olhar pra cima e lembrar de respirar e agradecer. e respirar mais um pouco. 💙

seis horas

seis horas da tarde, sexta-feira, a escola toda em quietude. hora de ir cuidando dos detalhes: carregar a pirâmide pra um lugar coberto, fechar uma porta que ficou aberta, apagar alguma luz que esqueceram acesa, guardar a garrafinha perdida no quintal. vou andando pela escola vazia e pensando em tudo que aconteceu ali nas últimas horas de um dia bem cheio. as brincadeiras no quintal, as estudantes de pedagogia que vieram fazer pesquisa; as aulas de música sobre diferentes etnias indígenas, a criança nova que estava indo pra escola pela primeira vez, o menino que pediu minha ajuda pra aprender a descer pelo “cano do bombeiro”, as comidinhas feitas de lama e folha, as bocas sujas de feijão e as barrigas cheias. também os conflitos e brigas, os “é meu”, “não gosteeei!”, “não me empurra!”; os convidados do creas que foram conversar sobre diversidade, gênero e respeito; o pequeno que passou mal, a reunião que precisou ser remarcada, a impressora que não funcionou, os abraços compartilhados,