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Free School 8 - pra não dizer que não falei das não-flores

O meu segundo dia na Free School foi de conversas bem marcantes, e um incômodo no final que me colocou pra pensar, muito. Sobre esse incômodo específico eu vou falar em um outro post, mas vamos às conversas:

Logo que cheguei, na sexta-feira, uma menina (Rowe, de uns 7 anos), que tinha conversado um pouco comigo no primeiro dia, começou a puxar assunto. Me contou do irmão mais velho dela, que pode correr por muitos e muitos quilômetros sem cansar, e de como a irmãzinha mais nova não deixa ela fazer mais nada. E aí ela me falou que queria sair da Free School, que às vezes ela não se sentia confortável lá. Eu perguntei por quê, e ela me contou mais ou menos assim:

"Ah, às vezes as pessoas da minha sala implicam comigo porque eu faço alguma coisa errada, mesmo que seja sem querer. Eu não gosto. E também porque os professores aqui não me deixam dar as cambalhotas que quero {nota: ela queria dar uns saltos duplos twist carpados ou coisa do tipo, pelo que ela me explicou, mas eu não vou conseguir traduzir}. Eles ficam o tempo todo falando pra eu ter cuidado, e que acham perigoso e pedem pra eu parar. Isso é muito chato!"

Eu perguntei se ela achava que em outras escolas ela poderia dar os saltos duplos twists, e ela me garantiu que sim. Que a mãe dela já tinha achado essa escola, e que lá as crianças pulavam de cima das árvores e os professores aplaudiam e perguntavam quem era o próximo.

Vou ser bem sincera aqui e falar que fiquei meio decepcionada quando ela falou que queria sair. Apesar da minha experiência não ter sido pôneis saltitantes cor-de-rosa, no fundo eu queria muito que todas as crianças gostassem da escola e fossem um ótimo encaixe nesse modelo com tanta autonomia e cooperação. Mas o próprio Bhawin já tinha me falado que, como toda e qualquer pedagogia, não é pra todo mundo. Tem criança que não dá conta de poder escolher o dia inteiro; tem criança, como a Rowe, que precisa de ainda mais liberdade e escolha.

Eu não sei se na escola nova da Rowe ela vai poder dar cambalhota a hora que ela quiser, como vi ela fazendo em tantos momentos do dia lá na Free School; não sei se os professores vão mesmo deixar ela fazer algo que eles considerem perigoso. Eu espero que sim. Espero que ela ache uma escola onde ela possa se expressar dessa forma que ela tanto gosta.

A outra conversa foi com uma menina chamada Aurora, acho que ela tinha uns 9 anos. A gente estava na aula de ukelele, na sexta à tarde, e ela estava meio triste, não queria tocar. Fiquei conversando com ela, e ela me perguntou se eu tinha gostado da escola. Disse que sim e perguntei o que ela achava de lá. Ela me disse que amava e odiava.

Amava porque lá ela podia ser ela mesma, o tempo todo. Mas odiava porque ela queria aprender mais, e sentia que ali não aprendia tanto.

Mil coisas passaram pela minha cabeça quando ela falou isso. Pensei em dizer pra ela, por exemplo, que ela podia estudar o que ela quisesse e tivesse interesse, que ela podia pedir ajuda pros professores, pra outros alunos, pra aprender tudo o que ela quisesse. Que em outras escolas fica todo mundo se perguntando por que está aprendendo o que o professor insiste em querer ensinar. Que eu já ouvi uma menina de 5 anos falar "a professora cismou que copiando a gente aprende! Aí eu copio". Que eu mesma não me lembro nem de metade do que "aprendi" na escola.

Mas talvez nada disso fosse fazer sentido pra ela naquele momento. Talvez seja parte do processo, ativo e criativo, de se tornar responsável pela própria educação. Talvez seja uma outra face mesmo desse jeito de se educar. Afinal, não existe um horário com aulas uma atrás da outra e um recreio de 15 minutos para mais ou menos respirar.

Fiquei pensando no desafio de estar na Free School. De encontrar seus primos, por exemplo, e saber que eles têm uniforme, horários rígidos e certinhos, livros, castigo, provas e notas, uma turma apenas, e você não. De ver nos filmes, seriados e desenhos animados um tipo de escola retratado, e a sua não ter nada a ver com aquilo. Acho que eu ficaria me questionando também: será que estou mesmo em uma escola? Será que estou aprendendo?


Não sei como responder a esses desafios, e nem acho que precise. Espero que a Aurora descubra o tanto que ela pode aprender em um ambiente desses, e o tanto que é importante ela poder ser ela mesma o tempo todo. Espero que eu entenda também que não existe uma solução mágica para a educação. Que nem a Free School, nem a Montessori, nem a Waldorf, nem a Vivendo, têm todas os encaixes para todas as crianças e para todos os problemas e desafios que vejo por aí. Mas que nem por isso eu pare de tentar achar pedagogias que se encaixem pelo menos nos meus sonhos...


jeitos bem diferentes de se estar na escola...


(pra não perder o costume: o começo, aqui, e a continuação em breve)

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